Amira Rose Medeiros
Escritos Meus - Poesias, Contos, Crônicas e Composições Musicais
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A Ruivinha do Sinal Vermelho
Nem olha, filha, deixa ele batendo. Moça, não tem um trocado? Tem certeza que não tem nada? Não consigo fingir, mãe. Relaxa, o sinal já vai abrir.
Dia seguinte.
Vejo o carrão vermelho dobrar a esquina. Brilhante. Reluzente. Um animal meio estranho. Olhos de águia. Boca de tubarão. Velocidade de leopardo. Bonito. Mesmo com essa mistura toda. Não vou mentir. Uma máquina. Aqueles aros lembrando as olimpíadas na frente. Era ela que se aproximava.
Tão bonita, cabelos da cor de jerimum. Acho que são naturais. Ela é muito nova. Eu gosto. Olhar assustado. Será medo de me encarar? Nunca olha. Dessa vez vou bater até ela olhar. E vou lavar o vidro, mesmo se a mãe ligar o limpador. Se quebrar eu fujo. Mulher esnobe, arrogante, com aqueles óculos escuros parecendo uma abelha. Sempre tenta ignorar a gente. Um dia quase atropelou Babau. Algo me diz que a mocinha é diferente. Sempre remexe a bolsa, como que procurando algum dinheiro.
O carro se aproxima. Tatu olha a menina. Sinal não fecha. Elas passam direto. Mas em velocidade suficiente para perceber que ela moveu a cabeça em sua direção. Babau ri de se mijar. Como tu é bobo, Tatu. Fica esperando esse carro todo dia. Deixa de ser leso, menino. E sai do meio. Tu visse que a coroa botou o carro pra cima de mim mês passado?
Demorando... Será que não vai passar hoje? Ou não vi. Será? Estou tão ligado. Viraram a esquina. A fila de carros tá grande. Sinal vermelho. Vão parar lá trás. Vou lá. Bruxa. Por que não para logo? Fica freando por dez metros. A gente num sabe onde vai parar e fica correndo feito besta do lado do carro, como quem acompanha enterro. Vaca. Toda metida essa coroa. Bem que meu tio diz: sogra é o demônio fantasiado. Vontade de quebrar esse vidro. Mas a ruivinha tá lá. Não vou fazer isso. O possante para. Ela é bonitinha.
Tem não. Dá pra ler os lábios da velha. Ela gesticula raivosa, afobada. Não. Não. Na próxima. Fez que não ouviu, ou não viu. Jogou água no para-brisa. A mocinha quieta. Fingindo não ser com ela. Odeio essa rua. Se pudesse pegava outro caminho. Esses moleques tiram nossa paz, ter que parar de ouvir Adele pra me ocupar com esses desocupados. Já começo o dia de mau humor. A mocinha reage. E eles sem ter o que comer. A mãe não responde.
Tatu continua passando o rodo devagarzinho. Perdido, olhando para dentro do carro. Procurando ver a menina. Limpa uma faixa por vez, três vezes no mesmo lugar. Nunca chega na parte de baixo. Não devolve o limpador a seu lugar. A mãe surta novamente. O sinal vai abrir, e esse peste não tira o sabão que botou. É uma imoralidade. Onde estão os meus direitos de cidadã? A menina tenta mais uma vez procurar as moedas. Não dá tempo. Apenas olha para Tatu. A mãe triunfa. Eu disse que não tinha hoje. Limpou porque quis. Faz sinal gesticulando para amanhã. Quem sabe?
Eu num disse, Babau? Ela olhou pra mim. A ruivinha. Ela ia me dar um trocado. A sogra que não deixou. Arrancou. Mas ela ainda vai me dar um trocado. Tu vai ver.
Já dois dias sem passar. Será que tá doente. Ou num vi? Teve uma vez que ficou na terceira faixa do outro lado, atrás do ônibus. Não consegui ver. Só a bunda do carro, quando o sinal abriu. Vai ver me passou a perna de novo. Sei não. Povo invocado.
Sextou. Hoje não vou trabalhar muito. Quando der meio-dia, vou embora. Cansado. Vou apurar o que conseguir e ir pra casa. Minha mãe tá meio doente. Melhor ajudar por lá. Queria só fazer um trocado razoável, pra voltar com leite pra maninha.
Carro vermelho virou a esquina. Não tô com muita vontade de ver aquela gente, não! Pra ruivinha não me ver triste. Vou fazer de conta que num vi. Droga. O possante parou ao meu lado. Só porque hoje num queria. Ô lasqueira! Bati no vidro com a mão estendida e nem precisei fingir o olhar triste de fome. Saiu natural. A mãe continuava olhando pra frente. A ruivinha nervosa procurando as moedas na bolsa. Achou o porta-moedas. Mas derramou tudo no chão do carro. Desastrada. Acho que deixei ela nervosa. Ela se abaixou pra pegar, mas o cinto travou. Vai dar tempo não, mocinha. O sinal vai abrir. Fica pra próxima. Conseguiu pegar umas três moedas. A mãe já tirava o pé do freio. Ela ainda abriu uma frestinha do vidro. Corri ao lado do carro. A ruivinha olhava pra mim. Tome, moço. Peguei. Ela me deu moedas! Esqueci de agradecer.
Tá vendo, Babau? Eu num disse! Um dia ela me dava moedas. Quanto ela deu? Olhei pras moedas. Tinha duas de cinquenta centavos, e tinha uma que parecia a de um real, mas era um pouquinho menor. Olhei de novo. Era um euro. Caramba. Acho que a ruivinha se atrapalhou. Quando ela passar de novo, vou devolver. Pensando bem, acho que vou guardar, pra ver se dá sorte.
Amira Rose Medeiros
Enviado por Amira Rose Medeiros em 12/03/2023
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