Amira Rose Medeiros
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Luz no fim do túnel

Era início de noite, a famosa hora do rush e eu estava saindo para a casa de uns amigos num bairro próximo. O trânsito, não preciso me ater a ele, todo mundo sabe que está sempre uma balbúrdia nesse horário. Milhares de pessoas voltando para casa, engarrafamento, buzinas, freadas, luzes, pessoas, bicicletas, motociclistas ziguezagueando no espaço sofrido entre carros, pessoas arriscando suas vidas por um segundo a mais de velocidade. Um caos, uma loucura.

Estava bem ao sair de casa e nem previa a situação que ia passar. Veio a primeira dor. Eita, gota, que é isso? Fazia tempo que não tinha uma dessas. Foi quando lembrei que havia exagerado no self-service na hora do almoço e o feijão não estava de todo inocente. Bom, vamos lá, é só uma colicazinha.

Eu estava parado, para ser mais exato a cinco quilômetros por hora, naquele verdadeiro congestionamento. Freia, para, primeira, segunda, freia, para e começa de novo. Mas estava tranquilo, embora ainda devesse demorar mais uns trinta minutos para atingir meu alvo. Ou seja, um tempo de “pole position” comparado ao rush em cidades maiores que a minha. Foi quando veio a segunda cólica. Esta veio sem pena, sem nenhuma trégua, queria ganhar por nocaute no primeiro round.

Era uma dor forte daquelas que trafega toda a barriga como um nó de um lado a outro. Durou uns trinta segundos – que pareceram eternos – e aliviou. Fiquei tonto, nauseado e suando frio. E agora? A dor não estava só, ela tinha um cúmplice cruel, enquanto as alças intestinais se contraíam e se contorciam para dar velocidade, algo tinha muita pressa em chegar ao seu destino, e não era apenas eu...

Senti esse cúmplice se aproximando da linha de chegada e travei. Agora não. O trânsito está congestionado, segura aí. Meu Deus! A dor era forte, cada vez mais intensa e, como num trabalho de parto, ficava cada vez mais frequente e com intervalos menores de alívio. Os carros não andavam, o tráfego continuava lento, exceto dentro de mim.

Não ia dar tempo. Não dava para voltar à casa e antes de chegar a meu destino provavelmente a desgraça já teria acontecido. Não tava mais dando pra segurar. Caramba! Só chamando o SAMU para abrir com a sirene aquele desespero imóvel. Se ao menos eu pudesse parar em algum canto, mas área urbana não tem moita, e naquela hora as lojas próximas já estavam fechadas e os barzinhos ainda não tinham aberto. Quanta agonia!

A dor veio de novo e, como se fosse quaresma, pedi perdão por todos os meus pecados. Que dura penitência! Pelo amor de Deus, não aconteça isso comigo! O que foi que eu fiz para passar por isso? E quanto mais o desespero crescia, mais a dor tomava força dentro de mim, movida pela descarga parassimpática do medo. Imaginei o final: o banco de tecido todo sujo e impregnado de um fedor que lava-jato algum conseguiria sanar.

Foi quando um milagre aconteceu: por alguma inspiração do além, lembrei da Igreja, que não era muito longe dali e qualquer rua à direita me levaria até lá. Minha mãe era assídua e eu já havia ido lá. Pensei: as igrejas estão sempre de portas abertas e lá deve ter um banheiro. Pode ter muita gente metida a santo, mas, com certeza, todos fazem o número dois. Vou lá! Acho que dá!

Ainda estava a uns cem metros da próxima esquina, mudei de faixa desesperado, mas a velocidade de tartaruga continuava. Neste momento, a ativação adrenérgica em meu sangue funcionou como um antídoto que garantia mais alguns minutos de autocontrole. Mas a luta era grande! Droga de trânsito!

Entrei nas ruas de calçamento esburacadas em uma velocidade que só sabe quem passou. Sabe quando cada metro faz a diferença? E o que é perto parece estar a quilômetros-luz? Droga de rua! Mas pelo menos agora tinha um rumo.

A Igreja estava aberta, os funcionários arrumavam o altar para a missa das dezenove horas e poucos fiéis rezavam tranquilamente sentados nos bancos de madeira. Parei o carro de qualquer jeito e quando me levantei veio a dor novamente. Vai ser agora! Vou morrer na praia, a cinquenta metros de meu redentor.

Não sabia se andava ou se corria. Se corresse tinha medo de explodir tudo, se andasse tinha medo de não chegar. Ainda bem que logo vi o banheiro. Imagina chegar para o pessoal que lá estava e perguntar: Pelo amor de Deus, onde é o banheiro? Eles iam pensar: que cidadão é este que nunca veio aqui e agora quer usar o banheiro? Não precisei passar por isso. Que bênção! Mas também na situação em que estava pagaria o dízimo retrasado de todo o ano.

Cheguei ao banheiro. Nunca foi tão demorado acender uma luz, fechar uma porta, abrir um cinto, puxar um zíper e sentar. Explodi! Que alívio! Minha alegria era tanta que quase chorei. Chegamos juntos ao destino final: eu e o feijão. Ele não me venceu. Não tinha palavras para descrever a sensação vivida. Foi quase um orgasmo! Um orgasmo na casa de Deus... Que heresia!

Era um outro homem ao sair do banheiro: leve, aliviado, alegre, comovido e convertido. Lembrei de minha mãe lendo Mateus: “Pedi e vos será dado! Procurai e achareis! Batei e a porta vos será aberta!”

Foi assim: quando tudo parecia perdido e, desesperado, não sabia o que fazer, a luz no fim do túnel não podia ter sido tão apropriada. Afinal, os braços de Deus estão sempre prontos para acolher e, isso tenho que admitir, ele me recebeu quando eu mais precisava!

Prometi que depois voltaria lá para fazer um agradecimento. Mas isso quando o trânsito melhorar. Talvez no dia de São Nunca!

 

Amira Rose Medeiros
Enviado por Amira Rose Medeiros em 17/05/2022
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